Tito Damazo
São as águas de março no fim abrindo ao outono
Talvez esta chuva
possa lavar
a nossa alma,
varrer com sua
pureza e alvura
esta tão demoníaca
pandemia quanto
tantas houve
e haverá ante a face
pânica e parca dos homens.
Talvez esta chuva
se infiltre na fragilidade
das infindas e indefinidas
esperanças dos homens
e seque
por todo o sempre
sua poça narcísica
e lhe estabeleça
o espelho da alteridade.
Talvez esta chuva
possa com o poder
de sua água
engendrada pela alquimia dos altos
germinar na massa
encefálica humana
o fruto da dádiva
vivificadora e sem trapaça.
Talvez esta chuva
que lá fora
se impõe densa
e mansa ante
nosso olhar
carregado de ânsias
possa remover
de nossa alma infectada
o letal vírus
da ganância
cuja prepotência
sua e de seu consórcios:
ira, rancor, ódio e usura
põe a perder
sua sacramentada interatividade
(Não é bom que o homem esteja só)
de condição humana.
Pudesse esta chuva
vir a ser
a água única
a dessedentar a sede
de lobos e cordeiros
que compartilhem
desarmados
cada qual
de seu lado desta dadivosa torrente.
Araçatuba, março de 2020